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Crises ambientais brasileiras se aprofundam, artigo de Luiz Marques

 

artigo

 

[EcoDebate] Em setembro de 2015, o governo brasileiro anunciou ao mundo sua contribuição pretendida nos esforços globais de atenuar a progressão do aquecimento global e das perturbações do sistema climático[1]. O Brasil pretende “reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% abaixo dos níveis de 2005, em 2025”. Como “contribuição indicativa subsequente”, o país pretende ainda “reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 43% abaixo dos níveis de 2005, em 2030”. Essa dupla pretensão está consignada no documento comunicado ao Secretariado da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), em cujo âmbito ocorrerá a decisiva Conferência do Clima em dezembro próximo em Paris (COP 21).

Para atingir essas metas, o Brasil se compromete a “alcançar, na Amazônia brasileira, o desmatamento ilegal zero até 2030”. O ceticismo em relação a esse engajamento é inevitável. Márcio Astrini, do Greenpeace, sublinha a incompatibilidade entre essas metas e o novo Código Florestal, aprovado em 2012: “Este plano é baseado em uma lei que sabemos que não funciona. Dilma não propõe nada para mudar essa política. Seu plano é irrealista”. Antes ainda de irrealista, o documento apresentado à ONU é uma aberração jurídico-política, pois quando o Estado brasileiro promete orgulhosamente que o desmatamento ilegal será zerado em… 2030, ele confessa sua incapacidade de fazer cumprir sua própria lei aqui e agora. O Estado é, por definição, a autoridade dotada dos instrumentos policiais e jurídicos que o capacitam a garantir a observância de sua legislação. Prometer que as leis vigentes serão respeitadas em 2030 é uma afirmação absurda, auto desqualificante, cômica (se não fosse trágica) e que cobre de vergonha os cidadãos deste país.

Além disso, se o governo quisesse mesmo que sua lei fosse cumprida no futuro remoto, deveria começar por tomar providências nesse sentido no presente. Ora, o que se constata é uma aceleração da destruição e da degradação do patrimônio natural do país, tal como discutido em detalhe em meu livro, Capitalismo e Colapso Ambiental, recentemente lançado pela editora da Unicamp. O governo apoiou uma legislação que anistia os criminosos e permite mais áreas desmatadas sob o abrigo da lei, reduziu o Ministério do Meio Ambiente à míngua e coroou sua aliança com os protagonistas do desmatamento ao nomear para o seu primeiro escalão Kátia Abreu, presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Eleita em 2009 e em 2010 pelo Greenpeace “Miss Desmatamento” e “Motosserra de ouro”, Kátia Abreu defende abertamente o desmatamento, a ponto de escrever: “Há um sentido pejorativo que foi atrelado à palavra desmatamento, como se ela significasse um ato voluntário e arbitrário de destruição da natureza”[2].

O resultado objetivo dessas políticas é o aprofundamento das crises ambientais brasileiras. Em apenas três anos, entre agosto de 2011 e julho de 2014, o agronegócio arrasou 15.559 km2 da floresta amazônica, uma área mais de dez vezes maior que o município de São Paulo. E os alertas de desmatamento identificados pelo sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (DETER/INPE) de agosto de 2014 a julho de 2015 apontam para “os maiores índices de desmatamento e degradação da floresta amazônica dos últimos seis anos”[3]. Quanto aos incêndios, a floresta amazônica no Maranhão está em chamas e o INPE detectou no estado do Amazonas, apenas em setembro de 2015, 5.882 focos de incêndio, o maior número de incêndios em 17 anos de monitoramento nesse estado.

Legal ou ilegal, o desmatamento é um só. Ele causa aquecimento global, desequilíbrios climáticos, secas, colapso dos habitats florestais e da biodiversidade, degradação dos solos e insegurança energética, hídrica e alimentar. Mas ainda que o governo conseguisse convencer seus aliados a não desmatar além do permitido pela lei, o que o novo Código Florestal permite desmatar já é suficiente para amputar mais do que já destruímos da manta vegetal nativa brasileira desde 1970! Como sabemos, o novo Código Florestal permite o desmatamento de 20% da área de uma propriedade na Amazônia Legal, de 65% no Cerrado e de 80% em outros biomas[4]. Ora, segundo estimativas de Gerd Sparovek (Esalq/USP), a área brasileira de vegetação nativa que o Código deixou desprotegida, podendo ser desmatada dentro dos limites da lei, soma 957 mil km², uma área maior que o estado do Mato Grosso, sendo mais de 400 mil km2 no Cerrado, 280 mil km2 na Caatinga e 78 mil km2 na Amazônia.

Como pode o governo brasileiro prometer uma participação expressiva no combate ao aquecimento global, quando permite ao agronegócio trocar florestas por pastagens, como se ignorasse que as florestas sequestram carbono, ao o que sua queima libera quantidades gigantescas de gases de efeito estufa na atmosfera do planeta? Após a catástrofe militar, que desencadeou na Amazônia o maior ecocídio da história humana, nada há na política dos governos civis sucessivos que lhes empreste credibilidade no que se refere ao combate ao aquecimento global e à proteção de nosso patrimônio natural. Enquanto continuarmos a eleger governos que não apenas não reprimem, mas financiam e são financiados pelos desmatadores, não poderemos nos queixar da conta que já estamos pagando pela morte de nossas florestas e de nosso futuro.

Luiz Marques é professor do Departamento de História do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da Unicamp e lançou o livro “Capitalismo e colapso ambiental”, pela Editora Unicamp.

[1] Por gases de efeito estufa (GEE), o documento explicita os dois gases de maior impacto – o dióxido de carbono (CO2) e o metano (CH4) –, mas também os demais gases que compõem, secundariamente, os GEE: o óxido nitroso (N2O), os perfluorcarbonos, os hidrofluorcarbonos e o Hexafluoreto de Enxofre (SF6). Veja-se: <http://www.itamaraty.gov.br/images/ed_desenvsust/BRASIL-iNDC-portugues.pdf>.

[2] Cf. “Desmatamento eleitoreiro”. Folha de São Paulo, 27/IX/2014.

[3] “Agora é oficial, alertas do Deter disparam 68%”. Amazônia, 1º de setembro de 2015

<http://ecodebate-br.noticiasdopara.net/2015/09/agora-e-oficial-alertas-do-deter-disparam-68/>.

[4] Cf. Soares-Filho, Britaldo, et alia, “Cracking Brazil’s Forest Code”. Science, 25/IV/2014, 6182, pp. 363-364.

[5] Cf. Observatório do Código Florestal <http://www.observatorioflorestal.org.br/noticia/ivo-florestal-e-de-quase-um-parana>.

 

in EcoDebate, 13/11/2015

[cite]


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4 thoughts on “Crises ambientais brasileiras se aprofundam, artigo de Luiz Marques

  • Buritis não estão em liquidação!
    Fortalecemos os povos tradicionais e os ensinemos os verdadeiros princípios.
    O que já está acabado florescerá.

  • Valdeci Silva.

    “Crises ambientais brasileiras se aprofundam”. Luis Marques.

    Há muito isto está previsto, e a tendência e a tendência, segundo estudiosos, é de agravamento até o final.

    Lamentável, não é?

  • Valdeci Silva.

    Continuação de comentário acima:

    … e não é só no Brasil, é a nível planetário.

  • João Augusto Madeira

    Uma correção necessária: no Cerrado, como em todos os biomas fora da Amazônia Legal, a reserva legal exigida pela lei florestal que revogou o código florestal é de 20%. Apenas nas áreas de cerrado dentro da Amazônia Legal a RL deve ser de 35%.

    Nunca houve da parte dos que elaboraram essa lei nenhuma preocupação especial com o Cerrado…

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